Sigmund Freud, afirma que “o recalcamento é o pilar fundamental sobre o qual descansa o edifício da psicanálise”.
Disciplina: Artigos Metapsicológicos I – Desejo e Recalque
O objetivo desta disciplina é apresentar ao aluno o conceito de Verdrängung = Recalque, ressaltando aimportância deste fenômeno clínico e à sua conexão com a teoria das pulsões.
Objetivo Geral
Ler e compreender o texto considerado pedra fundamental na estrutura da psicanálise.
Proporcionar momentos de reflexão, sobre o conceito do recalcamento e a sua importância para a compreensão do aparelho psíquico.
O que é recalque?
Recalque é uma expressão em psicanálise que designa um processo que empurra para o inconsciente impulsos, desejos ou experiências que seriam dolorosas ou inaceitáveis para o consciente, com o objetivo de evitar a ansiedade ou outro conflito psíquico interno. Ao mesmo tempo, esta energia psíquica recalcada busca se expressar de outra forma: por meio de fobias ou penamentos obsessivos, por exemplo.
O recalque, então, pode gerar sintomas neuróticos ou comportamentos considerados problemáticos, já que os conteúdos reprimidos continuam a influenciar o sujeito sem que ele saiba conscientemente disso. O trabalho psicanalítico em clínica será promover diálogos com o paciente para que venham à luz possíveis experiências e padrões de comportamento que estejam inconscientes. Ao tomar consciência, o sujeito paciente poderá elaborar sobre isso e eliminar ou minimizar os transtornos psíquicos que estavam sendo gerados.
Podemos pensar da seguinte forma o significado de recalque em psicanálise:
Uma experiência traumática ou uma percepção que o ego resiste em aceitar para si é reprimida para o inconsciente, sem que o sujeito tenha clareza de que houve esta repressão. Isto é o recalque: um objeto inicial potencialmente doloroso à psique humana é recalcado, isto é, torna-se inconsciente.
Isso ocorre para evitar que o consciente se depare com aquela dor, isto é, evitar reviver no presente o incômodo inicial tal como aconteceu; então, a consciência se descola do objeto inicial.
Mas esta energia psíquica que está no inconsciente não está desfeita. Ela busca caminhos inusitados para “escapar” e vir à tona. E faz isso por meio de associações das quais o sujeito não tem consciência. Esta será já uma nova fase deste processo, que veremos como um retorno do recalcado.
O que é retorno do recalcado?
O conteúdo recalcado não fica calmamente reprimido. Retorna à vida psíquica de forma indireta, por meio de associações psíquicas e somáticas, isto é, podendo afetar a vida mental e também podendo ter manifestações físicas (como ocorre na histeria).
Esta “energia” encontra um representante (objeto) alternativo para se tornar visível ou consciente: os sintomas psíquicos (como fobias, histerias, obsessões etc.) são a forma que mais gera incômodo ao sujeito, embora essas transformações também possam se manifestar como sonhos, atos falhos e chistes.
O que é perceptível (consciente) é chamado de conteúdo manifesto, que é a parte do recalcado que retorna. Por isso, se diz que há um retorno do recalcado. Ex.: um sintoma que o sujeito percebe, ou como um sonho que ele relata.
Já o que foi recalcado no inconsciente é chamado de conteúdo latente.
Como trazer para a consciência um recalque?
Para se entender o que é psicanálise e sua forma de tratamento, é importante perceber que:
- O conteúdo manifesto consciente que se manifesta como sintoma é resultado de um conteúdo latente que está inconsciente.
- Superar o incômodo demanda compreender esses mecanismos potencialmente inconscientes e elaborar uma interpretação ressignificativa que seja condizente com o ego deste sujeito. Só assim será possível caminhar para uma condição de “cura” ou “melhora”.
- Sozinho, o sujeito via de regra não consegue olhar para si e perceber o vínculo que existe entre o conteúdo manifesto (perceptível) e o conteúdo latente (inconsciente).
- Daí a importância da psicanálise e do psicanalista. Usando do método da livre associação, psicanalista e analisando irão elaborar hipóteses para se compreender o sistema psíquico e para entender os sinais do inconsciente, a partir das informações trazidas pelo sujeito-analisando na clínica.
Entendendo melhor o conceito de recalque
Embora na identificação precisa em alemão, o termo “recalque” encontra variações terminológicas quando expresso em outros idiomas. Em francês, “refoulement”, em inglês “repression”, em espanhol, “represión”. Já em português apresenta três traduções, quais sejam “repressão”, “recalque” e “recalcamento”.
Segundo o Vocabulário de Psicanálise, de Jean Laplanche e J-B Pontalis, os autores optam pelos termos “recalque” e “recalcamento”. Se nos referirmos aos termos “repressão” e “recalque”, observaremos que o primeiro faz referência a uma ação exercida sobre alguém, a partir da exterioridade. Isso ocorre ao passo em que o segundo refere-se um processo intrínseco ao indivíduo, posto em movimento pelo próprio eu.
Dessa forma, “recalque ou recalcamento” são os termos que mais se aproximam do sentido utilizado por Freud em seu trabalho. Não obstante esta constatação, é necessário ressaltar que o conceito de recalque não prescinde dos acontecimentos externos vivenciados pelo indivíduo. Neste caso, estes aspectos são representados pela censura e a lei.
Conceito de Recalque na História do Pensamento
Numa perspectiva histórica, Johann Friedrich Herbart foi quem mais se aproximou do termo utilizado por Freud quando o assunto é recalque. Partindo de Leibniz, Herbart chega a Freud, passando por Kant. Para Herbart, “a representação, adquirida através dos sentidos, e como sendo o elemento constituinte da vida anímica.
O conflito entre as representações era, para Herbart, o princípio fundamental do dinamismo psíquico”. Para delimitarmos as semelhanças entre este conceito e o termo utilizado por Freud, é preciso destacar o fato de que “as representações tornadas inconscientes pelo efeito do recalcamento, não foram destruídas nem tiveram sua força reduzida. Mas sim, enquanto inconscientes, permaneceram batalhando para se tornarem conscientes”.
Ainda sob a perspectiva histórica, em seus importantes escritos, o próprio Freud afirma alguns fatos sobre a Teoria do recalcamento por ele promulgada. Segundo ele, a teoria corresponderia a uma total novidade, pois até então não constava nas teorias sobre a vida anímica.
Recalque na Obra Freudiana
Embora apresentam pontos de semelhança, é importante destacar que as teorias não podem ser tomadas como unívocas. Haja vista que Herbart não fizera, como Freud o fez, o feito de atribuir ao recalcamento a clivagem do psiquismo em duas instâncias diferentes. Ou seja, ao Sistema Consciente e Pré-consciente. De igual forma, Herbart também não enunciou uma teoria do Inconsciente, tendo se mantido restrito a uma Psicologia da Consciência.
Embora o termo em alemão “Verdrängung” esteja presente deste os primeiros escritos de Sigmund Freud. O recalcamento começa a se delinear em um momento posterior. Ganhando relevância apenas a partir do momento em que Sigmund Freud se defronta com o fenômeno da resistência.
Como e Por Que Existe o Recalque?
Para Freud, a resistência representa um sinal externo de defesa, com o objetivo de manter fora da consciência a ideia ameaçadora.
Ademais, é preciso destacar que a defesa é exercida pelo Eu sobre uma ou um conjunto de representações que despertariam sentimentos de vergonha e dor. Sabe-se que o termo defesa, originalmente foi utilizado para designar uma proteção contra uma excitação proveniente de uma fonte interna (pulsões).
Em seus escritos de 1915, Freud questiona “Por que uma moção pulsional deveria ser vítima de semelhante destino (recalcamento)?” Isto acontece porque o caminho para a satisfação desta pulsão pode acabar por acabar por produzir mais desprazer do que propriamente prazer. É sempre necessário termos em consideração, no que diz respeito à satisfação de uma pulsão, a “economia” presente no processo.
Uma vez que uma satisfação que proporciona prazer em um aspecto, pode significar em grande desprazer sob outro aspecto. Tem-se estabelecida a partir desse momento a “condição para o recalque”. Para que este fenômeno psíquico aconteça, é necessário que a potência do desprazer seja maior que a da satisfação.
Conclusão
Por fim, é preciso ter presente que o recalque impede a passagem da imagem à palavra, embora isso não elimine a representação, não destruindo a sua potência significante. Ou seja, é como se a experiência ou ideia recalcada ficasse sem uma face nítida no inconsciente, gerando incômodo. Em outros termos, o que o recalque opera não é a eliminação do inconsciente, mas, ao contrário. Ele opera a sua constituição e este inconsciente, em parte constituído pelo recalque. E então, continua insistindo no sentido de possibilitar uma satisfação da pulsão.
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Bibliografia
FREUD, S. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago, 1969.
_____ “Recalque” (1915). Vol XIV. Autor: Sigmund Freud.
FENICHEL, OTTO.Teoria psicanalítica das neuroses. São Paulo. Editora Atheneu, 2000.
LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.-B. Vocabulário da Psicanálise, SP, Martins Fontes Editores Ltda., 1985
SUGESTÃO DE FILMES
ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO
Para manter o interesse de Mathieu sempre vivo, Conchita se nega a manter relações sexuais com ele e limita-se a pequenas carícias como se deixar tocar nos seios.
O filme franco-espanhol Esse obscuro objeto do desejo fechou com chave de ouro a carreira do cineasta Luis Buñuel. Rodado em 1977, esta produção foi baseada no romance francês de Pierre Louys: A mulher e o fantoche.
Mathieu, um homem bem-sucedido de meia idade se interessa sexualmente pela jovem Conchita, uma imigrante espanhola de 18 anos, extremamente ambígua. Os jogos que a moça faz com Mathieu revertem a atração numa paixão cega e servil. Para ressaltar o caráter contraditório de Conchita, a personagem foi vivida por duas atrizes: a espanhola Angela Molina e a francesa Carole Bouquet. Embora não haja uma divisão sistemática das cenas, temos a sensação de que as mais turbulentas ficam para Molina, enquanto que Bouquet interpreta aquele lado mais sutilmente irônico e altivo.
Para manter o interesse de Mathieu sempre vivo, Conchita se nega a manter relações sexuais com ele e limita-se a pequenas carícias como se deixar tocar nos seios.
Esse obscuro do desejo toca em muitos temas caros ao cinema de Buñuel como a força do acaso, a turbulência política e uma feroz crítica às instituições, além do mergulho na vida íntima e onírica de seus personagens, devassando o mundo dos desejos submersos, revelando o inexplicável, o incontrolável e o irracional por meio de uma linguagem racional e comicamente irônica. Apesar do pesado conteúdo de Esse obscuro do desejo, assisti-lo é uma experiência divertida pois todas as questões são apresentadas de forma fluida.
O tema principal de Esse obscuro do desejo é a frustração, o desejo não satisfeito. Numa visão platônica, Mathieu continua amando Conchita pois continua a desejando. E ele a deseja pois ele não a possui. Para simbolizar imageticamente a frustração de Mathieu vemos personagens, incluindo o próprio Mathieu, segurando sacos nas costas. O desejo não realizado se transforma num fardo. Ataques terroristas acontecem do nada da mesma forma que Conchita e Mathieu brigam e se reconciliam. O instável e turbulento romance é uma metáfora da própria Espanha que havia se livrado do Franquismo há apenas dois anos.
Quando Mathieu perde a paciência com Conchita após sucessivas humilhações, ele a espanca e neste momento ela afirma acreditar finalmente no amor dele. A incomunicabilidade entre homens e mulheres sempre foi um tema caro a Buñuel desde seu primeiro filme realizado em 1928, Um cão andaluz. Homens e mulheres se amam e se odeiam em proporções iguais, em relações marcadas pela tirania de ambas as partes
Esse obscuro objeto do desejo também resgata um elemento de Um cão andaluz, fazendo uma espécie de fechamento da obra de Buñuel. Em seu primeiro filme, foi mostrado o corte de um olho como representação do falo penetrando violentamente o genital feminino. Em Esse obscuro objeto do desejo, na cena final, vemos uma mulher remendando um tecido sujo de sangue. Uma experiência cinematográfica intelectual e lúdica ao mesmo tempo.